Páginas

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

NOVOS OLHARES SOBRE OS SISTEMAS SOCIAIS: UMA REVOLUÇÃO EPiSTEMOLÓGICA

Naira Michelle Alves Pereira

Uma emoção é uma explosão num espaço,
é um fogo em ebulição onde tudo está vivo.
(Eric Baret)

No século XX pensou-se que a razão era o motor do desenvolvimento humano. Esta foi a hipótese que dominou o pensamento do início do século XX, a de que os seres humanos se comportam de forma racional, e na base de suas decisões estava agora a ordem racional, o que finalmente tornaria o homem livre.
A idéia que estava sendo gerada era a de que, com a série de revoluções secularizadas das sociedades européias (a Revolução Francesa, as revoluções burguesas, na França e na Alemanha, a Comuna de Paris), dos séculos XVIII e XIX, o ser humano ficaria, enfim, livre dos grilhões impostos pelas estruturas feudais e medievais. Poderia, a partir de então, tomar suas decisões livremente. (CASSASSSUS, 2009, p. 31).

No entanto, o problema, estava no fato de se estreitar as ações do ser humano a relações meramente de tomada de decisões sobre interesses individuais. A liberdade, em que se incorporava essa nova cultura de se perceber o ser humano na sociedade, finalmente livre de decisões da ordem política, agora baseado em uma ordem racional, não era tão livre assim, pois para se seguir tal lógica, é obrigado a se basear na regra do CUSTO-BENEFÍCO, que segundo Cassassus (2009) tal regra seria a capacidade de decidir. Esse princípio defende que, diante de cada situação em que uma pessoa deve tomar uma decisão, coloca-se na balança, de um lado, o CUSTO que isso implica e, do outro, o BENEFÍCIO que traz. Portanto o modelo racional é: REGRA DO CUSTO-BENEFÍCIO.
Conclusão: ser racional – ser egoísta, implacavelmente guiado por seu interesse pessoal. No modelo racionalista, encontra-se a idéia de que a ação humana é motivada por fins estritamente egoístas e submetida ao controle da regra custo-benefício. (CASSASSUS, 2009).
Mas hoje algo parece estar mudando. Os acontecimentos no mundo vem nos mostrando que esse modelo racionalista do ser humano é insuficiente e limitado para explicar os comportamentos das pessoas. Assim sendo,
[...] pensar que o egoísmo universal é o que move as ações do humano é uma abstração perigosa e um tanto absurda. É verdade que muitas pessoas insistem em perseguir e defender seus interesses pessoais. Mas também é verdade que muitas pessoas insistem em perseguir e defender desinteressadamente os interesses de outras pessoas e do coletivo. Basta ver o que ocorre na vida cotidiana para encontrar evidências das limitações do modelo racionalista.

Isso porque, nós estamos sempre em direção das outras pessoas, do próximo, pós sentimos a necessidade de compartilhar, partilhar, sentir, nos afetar, entrar em contato com o outro, independentemente das formas e sentidos. A vida é uma grande rede, basta paramos para pensar com quantas pessoas precisamos falar, compartilhar, conversar para tomar atitudes diárias em nossa vida. A nossa própria estrutura organizacional necessita desses contatos, já dizia Maturana (1999).
Esses tipos de ação, orientados na direção do “outro” são comportamentos, que o modelo racionalista não pode explicar satisfatoriamente. Esses tipos de ação, orientados na direção do “outro”, são comportamentos que o modelo racionalista não pode explicar satisfatoriamente. Ele é muito limitado para explicar essas formas de atuação dos humanos. Aparentemente há outras formas, além do custo-benefício e do interesse pessoal, que também motivam nossas ações. O modelo racional como tal pode explicar o comportamento humano em algumas pessoas e em algumas ocasiões, mas não pode no conjunto das pessoas, nem no conjunto das ocasiões. Por isso, não pode mais ser confundido com a identidade e o comportamento real das pessoas. (CASSASSUS, 2009, p. 34).

Essas novas formas de nos percebermos no mundo em relação a tudo que nos rodeia, existem bases científicas entusiasmantes e impressionantes. A que mais me afeta e entrelaça é a teoria do biólogo Humberto Maturana, embasada em uma reflexão biologia da estrutura organizacional do ser. Onde afirma que nós percebemos o mundo a partir de nossa condições de estrutura biológica, e que portanto não há a objetividade de qual nós tantos nos orgulhamos, pois não somos separados do mundo e de nos mesmo, trazendo uma revolução epistemológica de se perceber as relações sociais.
Para Maturana o mundo em que vivemos é o que construímos a partir de nossas percepções, e é nossa estrutura que permite essas percepções. Por conseguinte, nosso mundo é a nossa visão de mundo. Eis por que o chamado conhecimento só objetivo é inviável: o observador não é separado dos fenômenos que observa. Se somos determinados pelo modo como se interligam e funcionam as partes de que somos feitos (ou seja, pela nossa estrutura), o ambiente só desencadeia em nós o que essa estrutura permite. Assim, não podemos afirmar que existe a objetividade da qual tanto nos orgulhamos. Para Maturana, quando alguém diz que está sendo objetivo, na realidade está afirmando que tem acesso a uma forma privilegiada de ver o mundo e que esse privilégio lhe confere alguma autoridade, que pressupõe a submissão de quem não é objetivo. Essa é uma das bases da chamada argumentação lógica.
Maturana assim concluiu que nossos condicionamentos nos levaram a ver o mundo como um objeto. Imaginamos que estamos separados dele. Isso nos leva a uma ilusão de que podemos nos isentar das interferências que o mundo nos proporciona através das pessoas, dos animais e do meio natural. Mas isso não é verdade, pois “a idéia de que a racionalidade é a única força capaz de guiar as ações humanas foi substituída por outra mais complexa” (CASSASSUS, 2009, p. 35).
Resgatar as emoções dentro duma deriva cultural que tem escondido as emoções, por ir contra da razão, é uma das aberturas de olhar propostas por Maturana, pois dá conta que a deriva natural do ser humano como um ser vivo particular, tem um fundamento emocional que determina nossas ações em relação ao meio. O modelo racionalista finalmente, “perdeu o monólogo que exercia sobre o imaginário humano. Abriu-se assim, a possiblidade de nos considerarmos como algo mais que seres racionais. Atualmente nos reconhecemos como seres racionais e emocionais. No período de um século, surdiu o ser emocional” (CASSASSUS, 2009, p. 35).
Deste modo, os questionamentos e insatisfações da imagem e forma de conceber a nós mesmo, nos reconhecendo apenas como seres racionais, fez surgir a necessidade de falarmos e nos considerarmos como seres emocionais, percebendo que a complexidade de nossa estrutura humana e biológica jamais poderia ser explicada apenas pela racionalidade, em que separa o ser do seu meio e desconsidera os afetos que nos são causados por nossas relações sociais com as pessoas, natureza e com o mundo.
Logo, é importante ressaltar que, quando nos reconhecemos como seres emocionais, não estamos dizendo que somos seres irracionais. A irracionalidade é um conceito que tem significado apenas como antítese da ordem racional, como o oposto do racional. O ser emocional não é oposto do ser racional, é algo que o complementa (CASSASSUS).
Um dos fatos importante a se considerar aqui são as noções de progresso que se estabeleceu-se na sociedade como produção e consumo através de um sistema que leva o ser a considerar a competição a única forma de operar no mundo, estabelecendo suas conquistas através da negação do outro, refutando o imaginário humano em uma naturalização dos acúmulos, da propriedade privada e do bem estar. Segundo Maturana “a competição não é nem pode ser sadia, porque se constitui na negação do outro [...] A competição é um fenômeno cultural e humano, e não constitutivo do biológico” (Maturana, 1999).
Em decorrência desses fatos, os sistemas educacionais têm sofrido influência dessa noção de progresso, ainda estabelecida na ordem racional do século XX de conquista e liberdade do ser humano diante de ordens políticas. Isto mostra que continua sendo utilizada a idéia de que os ser humanos se comportam de forma racional, e assim são estruturados os sistemas educativos modernos que tem como orientação e tarefa principal a perpetuação desse conceito de ser humano. A ausência e a desvalorização das emoções em nossa cultura, fez
com que ela fosse afastada dos processos de formação. Segundo Cassassus (2009), apenas recentemente tem se falado sobre a educação emocional como processo de formação. Contudo, para se incorporar essa “nova” visão do ser humano, é necessário que entremos num processo de aprendizagem, para que possamos conhecer e reconhecer os fundamentos da educação emocional que se baseiam em uma visão mais complexa, mais integrada, com um novo olhar de nós como espécie e como pessoa. Portanto, é um processo de se remover os obstáculos que nos atalha de desabrochar o nosso ser emocional mergulhado no interior de um imaginário onde existe apenas seres puramente racionais.
Uma escola é fundamentalmente uma comunidade de relações orientadas para a aprendizagem, onde a aprendizagem depende principalmente do tipo de relação que se estabelecem na escola e na classe entre aluno e professor. Hoje se reconhece que não há aprendizagem fora do espaço emocional, que a forma como os posicionamentos e estabelecimento do tipo de relações, ou seja, tudo que alguém faz tem uma emoção na base, que o clima emocional da sala de aula é o principal fator que explica as variações no rendimento dos alunos.
Por fim, considero que uma das formas de se mudar essa condição cultural de progresso colocada pelo sistema que rege a nossa sociedade, é a nossa educação, ela é capaz de nos guiar por outras estratégias de conquista pessoais, profissionais e sociais. As escolas precisam, devem e necessitam educar para a vida, e conseguir alavancar uma relação mais equilibrada entre o mercado profissional e nossa responsabilidade social de ser humano e cidadão. Pois trata-se de dois mundo “completamente” diferentes, onde no mercado profissional precisamos negar o outro para conquistar um posto, enquanto que a nossa responsabilidade social busca mudar, ou pelo menos minimizar uma competição que vem gerando excessivas desigualdades sociais. Por isso é preciso que saibamos para que queremos a educação, e assim seja possível percebermos para que ela serve, e finalmente nos darmos conta que um dos maiores objetivos é devolvermos a nossa comunidade o que recebemos dela, trabalhando no desenvolvimento não apenas de interesses particulares, mas principalmente de interesses coletivos, construir e desenvolver assim, nossa escola, nosso bairro, nossa cidade, nosso país!

Sê a mudança que queres ver no mundo (Gandhi).
Só é preciso o Amor (John e Paul).